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elementar - conjugação de terra, água, fogo e ar

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Vale da Utopia

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Mulher árvore - ou a arte do refazer-se.

Clarissa Pinkola: “Toda mulher parece com uma árvore. Nas camadas mais profundas de sua alma ela abriga raízes vitais que puxam a energia das profundezas para cima, para nutrir suas folhas, flores e frutos. Ninguém compreende de onde uma mulher retira tanta força, tanta esperança, tanta vida. Mesmo quando são cortadas, tolhidas, retalhadas, de suas raízes ainda nascem brotos que vão trazer tudo de volta à vida outra vez.” As antigas artes de curar exigem disposição, intuição, magia e contato com saberes ancestrais. Somos herdeiros destes conhecimentos antigos, advindo de pessoas que liam o livro do mundo, cujos pés trilhavam a própria realidade. Reverencio minhas ancestrais: parteiras, curandeiras, agricultoras, artesãs, costureiras, lenhadoras, lavadeiras das encostas e barrancas de rios caudalosos, açudes, lajeados ou igarapés. Estas mulheres que salvavam vidas (mas também poderia acabar com alguma, se quisessem ou fosse necessário). Mulheres que enfeitavam as casas com as flores colhidas no jardim por elas cultivados. Criativas e sofridas, aprendiam a sapiência das árvores no seu refazimento após queimadas, enchentes ou tempestades violentas.Ou após a perda de um filho, da mãe, do pai, do irmãos, de tantos vizinhos e amigos que se iam. Abatidas, não deixavam de acender o fogo e aquecer as manhãs brancas cobertas de geadas nos invernos de suas vidas. Muito aprendi com elas, simplesmente por existirem. Muito ainda quero aprender com elas para me compreender melhor, para continuar me refazendo, como árvores que mesmo quando são podadas, vertem verdes em galhos aparentemente sem vida. Certa vez, numa dessas encruzilhadas da vida que me deixaram literalmente sem chão, ou temporariamente sem um teto, me vi assustada, com uma filha com menos de 5 anos, uma depressão tomando conta e aquela velha sensação de desamparo alastrando em mim tal qual erva daninha em um jardim descuidado. Tantos deslocamentos: roseira sem folhas nem jardim, beija-flor sem bico, ninho caído, ovinhos espalhados, um gatuno à espreita... dos ovos, fiz omelete. Eram fofíssimos ovos de beija-flor, mas eu precisava nos alimentar. Deste tempo, aprendi várias lições: o tempo ameniza tudo, o perdão liberta. E ambos, juntos, curam. E vieram novas vivências e outras feridas foram abertas. Ou a velha cicatriz ainda incomodava. A sensação iminente de desamparo, o gatuno à espreita. Mas, aí, vieram novas lições, outros aprendizados. Talvez, a vida de toda a mulher seja isso: camadas e camadas e mais camadas de tecidos que vão nos desnudando a cada nova ferida. Cicatrizes podem ter ou ser quelóides.Às vezes, precisam ser extirpadas com o bisturi para realmente ficarem como marcas, sinais de que algo aconteceu ali, mas que já não compromete mais o funcionamento e a fluidez do corpo. Nossos velhos tecidos são como as cascas das árvores: ao se perder, se refazem. E ao se refazer, brotam novas possibilidades. Quanto mais nossas raízes aprofundam-se no âmago da terra, tanto mais temos energia para este refazimento.

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