Escultura By M.R.
Fotos: by Giovana
GR. é de São Leopoldo e MR, de Porto Alegre. G é mulher, jovem, moradora da periferia, estudante do projovem trabalhador. M é homem, jovem adolescente, estudante do primeiro ano da escola pública. A distância que os separa não é geográfica e eles certamente tem quase nada em comum, a não ser o fato de terem a mesma professora. A professora que não vai esquecê-los.
G conta sua história, emociona-se ao dar-se conta de que hoje está tão bem, numa sala de aula, tem sua casa, seu companheiro, suas coisas. Conta que foi violentada, que viu cenas de violência a vida toda, que usou drogas, que morou na rua, que trabalhou no lixo. E no lixo encontrou tantas coisas jogadas fora que fizeram a alegria dela e da família, coisas úteis e belas, coisas singelas como a caixinha de música. Pergunto-lhe o que mais gostou de encontrar, disse que foi o poema que ela prometeu trazer e ler na próxima aula: "por que as mulheres choram?".
Estudamos direitos humanos e, principalmente, direito do trabalho. Ela se motivou a denunciar a exploração sofrida nos tempos da reciclagem. Conta-me, orgulhosa, que já foi marcada a audiência. Sente-se corajosa hoje e diz às vezes não acreditar que teve o passado que teve. Hoje ela é outra, ainda tem resquícios de tanta dor.
O M. é um talento múltiplo, várias habilidades que às vezes se escondem na sua postura de menino brincalhão. Talvez porque nossas aulas estão aquém de seu potencial e também porque ninguém é perfeito. A professora conheceu-o na sexta série e agora, passados alguns anos, em outra escola, o reencontrou. Poucas aulas teve com sua turma, mas ganhou o ano letivo com a belíssima exposição didática e compentente sobre a mitologia nórdica. Hoje a surpresa, frente a tanta mesmice na escola tradicional, a colega professora de artes propõe um gran finale: uma escultura comestível. A semana toda, enquanto todos nós corrigíamos provas e fechávamos os chatos cadernos de chamada, a professora de artes divertia-se com a galera. Alimento para os olhos e gula, a cada pouco alguem oferecia um doce em forma escultural. Hoje o M. chega com sua cabeça de zumbi, olhos de pirulito estalados, cabelos de fios de ovos, orelhas de biscoito... levanta a tampa da cabeça e eis que um cérebro de chocolate (feito com uma forma de abóbora) recheado com figos turcos e nozes... era um nogento cérebro esculpido com delícias. Ele e a mãe ficaram até as 5h da manhã preparando aquilo que em poucos minutos virou alegria de muitos. Professores largaram seus chatos cadernos de chamada e lambuzaram os dedos como crianças.
M., obrigada por tentar fazer perceber que o processo pedagógico não se resume a burocracia, mas que existem pessoas reais por trás dos números e papéis.
G., obrigada por lembrar que a educação faz sentido, que pode melhorar as vidas, esclarecer, promover mudanças.
Professora de Artes, obrigada por lembrar que existem inteligências múltiplas.
G. e M. - sua professora em comum observa seus distintos mundos, distância de geração, condição e classe social.
Ser professora é estar preparada para o imprevisível da mesma forma que estar preparada para o comum e para o possível?
GR. é de São Leopoldo e MR, de Porto Alegre. G é mulher, jovem, moradora da periferia, estudante do projovem trabalhador. M é homem, jovem adolescente, estudante do primeiro ano da escola pública. A distância que os separa não é geográfica e eles certamente tem quase nada em comum, a não ser o fato de terem a mesma professora. A professora que não vai esquecê-los.
G conta sua história, emociona-se ao dar-se conta de que hoje está tão bem, numa sala de aula, tem sua casa, seu companheiro, suas coisas. Conta que foi violentada, que viu cenas de violência a vida toda, que usou drogas, que morou na rua, que trabalhou no lixo. E no lixo encontrou tantas coisas jogadas fora que fizeram a alegria dela e da família, coisas úteis e belas, coisas singelas como a caixinha de música. Pergunto-lhe o que mais gostou de encontrar, disse que foi o poema que ela prometeu trazer e ler na próxima aula: "por que as mulheres choram?".
Estudamos direitos humanos e, principalmente, direito do trabalho. Ela se motivou a denunciar a exploração sofrida nos tempos da reciclagem. Conta-me, orgulhosa, que já foi marcada a audiência. Sente-se corajosa hoje e diz às vezes não acreditar que teve o passado que teve. Hoje ela é outra, ainda tem resquícios de tanta dor.
O M. é um talento múltiplo, várias habilidades que às vezes se escondem na sua postura de menino brincalhão. Talvez porque nossas aulas estão aquém de seu potencial e também porque ninguém é perfeito. A professora conheceu-o na sexta série e agora, passados alguns anos, em outra escola, o reencontrou. Poucas aulas teve com sua turma, mas ganhou o ano letivo com a belíssima exposição didática e compentente sobre a mitologia nórdica. Hoje a surpresa, frente a tanta mesmice na escola tradicional, a colega professora de artes propõe um gran finale: uma escultura comestível. A semana toda, enquanto todos nós corrigíamos provas e fechávamos os chatos cadernos de chamada, a professora de artes divertia-se com a galera. Alimento para os olhos e gula, a cada pouco alguem oferecia um doce em forma escultural. Hoje o M. chega com sua cabeça de zumbi, olhos de pirulito estalados, cabelos de fios de ovos, orelhas de biscoito... levanta a tampa da cabeça e eis que um cérebro de chocolate (feito com uma forma de abóbora) recheado com figos turcos e nozes... era um nogento cérebro esculpido com delícias. Ele e a mãe ficaram até as 5h da manhã preparando aquilo que em poucos minutos virou alegria de muitos. Professores largaram seus chatos cadernos de chamada e lambuzaram os dedos como crianças.
M., obrigada por tentar fazer perceber que o processo pedagógico não se resume a burocracia, mas que existem pessoas reais por trás dos números e papéis.
G., obrigada por lembrar que a educação faz sentido, que pode melhorar as vidas, esclarecer, promover mudanças.
Professora de Artes, obrigada por lembrar que existem inteligências múltiplas.
G. e M. - sua professora em comum observa seus distintos mundos, distância de geração, condição e classe social.
Ser professora é estar preparada para o imprevisível da mesma forma que estar preparada para o comum e para o possível?
E eu, fico feliz de poder comparilhar ótimas ideias e aprender muito com você, pessoa maravilhosa ! Que também optou por educar, ao invés de reclamar dos problemas sociais que nos cercam!
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