"Eu creio no poder das palavras, na força das palavras,
creio que fazemos coisas com as palavras e, também,
que as palavras fazem coisas conosco. As palavras
determinam nosso pensamento porque não pensamos
com pensamentos, mas com palavras, não pensamos a
partir de uma suposta genialidade ou inteligência, mas
a partir de nossas palavras. E pensar não é somente
“raciocinar” ou “calcular” ou “argumentar”, como nos
tem sido ensinado algumas vezes, mas é sobretudo dar
sentido ao que somos e ao que nos acontece. E isto, o
sentido ou o sem-sentido, é algo que tem a ver com as
palavras. E, portanto, também tem a ver com as palavras
o modo como nos colocamos diante de nós mesmos,
diante dos outros e diante do mundo em que vivemos.
E o modo como agimos em relação a tudo isso.
Todo mundo sabe que Aristóteles definiu o homem
como zôon lógon échon. A tradução desta expressão,
porém, é muito mais “vivente dotado de palavra” do
que “animal dotado de razão” ou “animal racional”.
Se há uma tradução que realmente trai, no pior sentido
da palavra, é justamente essa de traduzir logos por
ratio. E a transformação de zôon, vivente, em animal.
O homem é um vivente com palavra. E isto não significa
que o homem tenha a palavra ou a linguagem como
uma coisa, ou uma faculdade, ou uma ferramenta, mas
que o homem é palavra, que o homem é enquanto palavra,
que todo humano tem a ver com a palavra, se dá
em palavra, está tecido de palavras, que o modo de
viver próprio desse vivente, que é o homem, se dá na
palavra e como palavra. Por isso, atividades como considerar
as palavras, criticar as palavras, eleger as palavras,
cuidar das palavras, inventar palavras, jogar com
as palavras, impor palavras, proibir palavras, transformar
palavras etc. não são atividades ocas ou vazias,
não são mero palavrório. Quando fazemos coisas com
as palavras, do que se trata é de como damos sentido
ao que somos e ao que nos acontece, de como
correlacionamos as palavras e as coisas, de como nomeamos
o que vemos ou o que sentimos e de como
vemos ou sentimos o que nomeamos."
Jorge Larrosa Bondía
Notas sobre a experiência e o saber de experiência
http://www.anped.org.br/rbe/rbedigital/RBDE19/RBDE19_04_JORGE_LARROSA_BONDIA.pdf
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